Friday, December 22, 2006

15 anos

Sábado festivo. Uma e meia da manha, as luzes estão apagadas e garrafas de vodka brincam por toda a casa. Dois quartos estão trancados por segurança, enquanto um fica aberto por obrigação. Um ar afrodisíaco toma conta do lugar e os casais, insaciavelmente, em um tradicional ritual de sexualidade, se esfregam contra as paredes e se amam por alguns minutos.
A luz da cozinha está acesa e lá ficam os bêbados, com garrafas cheias e muitas mágoas a afogar. As fêmeas se juntam a eles e experimentam o alcoolismo, sentindo-se maduras e experientes. Nada muito surpreendente.
Alguns ficam na janela esperando que o amor incompreendido toque seu ombro e lhe entregue um brejo cinematográfico. Na realidade todos invejam os que estão se amando contra as paredes e fazendo ciúme aos mal amados. Cruel, mas nada muito surpreendente.
Da janela olham a lua, o céu, erguem os copos, levam até a boca e tentam se satisfazer. No sofá, conversa um grupo de amigos, em risos chamativos e esnobes. Falam de mulheres, garotas, meninas e tudo o que for associável.
Uma roda se abre e todos dançam por simples e pura vontade de ser.


Uma gota de suor escorre dos cabelos caídos na testa, e Paula transcende seus limites de consciência e prazer em um beijo quase pornográfico. Ela se satisfaz ao saber que está chamando a atenção de todos, principalmente a de Beto. O beijo não passa despercebido nem ao viajante Lucas, que se perde em um insano delírio interior embalado pela música eletrônica.
Lucas dança sozinho, despido de qualquer vergonha e vaidade. Vaga pela pista com passos esdrúxulos que assustam e encantam alguns dos seus admiradores. Sua vasta cabeleira escura também dança no ritmo da música e suas feições brutas transparecem um delírio que não é proporcionado a nenhum daqueles que está na casa. Na verdade, poucas das suas características são proporcionadas aos outros. Lucas é incrivelmente único.
A música começa a aumentar o compasso e ele gira em um ritmo frenético, balançando as pernas tortas cobertas por um jeans rasgado. Vai girando, girando, com os olhos fechados e esbarra no amigo. O transe acaba.
Na janela se encontra uma figura muito interessante, que, aliás, é o personagem principal. Beto não toca nas bebidas alcoólicas. Beto não dança. Mas Beto sabe fazer algo como ninguém: amar. Amor de novela, romântico e conservador.
É um grande admirador das mulheres e principalmente dos seios. Dos olhos também, mas quando se fala em seios, Beto vira bicho, Arregala os olhos e desperta a imaginação.
Mirando a lua, ele dividia seu pensamento em duas pessoas. Obviamente mulheres. Você, leitor, deve estar pensando que Beto é um tarado, que vive conquistando garotas. É quase isso. Ele não é do tipo que atrai todos os olhares quando passa, mas sua grande virtude é conquistar toda e qualquer garota que realmente deseje. Quanto a ele ser tarado, isso é uma opinião pessoal. Eu diria que Beto sabe admirar o sexo oposto.
“A vida é um jogo, Beto. Aprenda as regras.” – Lucas chegou, já desferindo uma das suas preferidas filosofias.
“Será mesmo?”
“O que aconteceu agora, coração dilacerado? Será que eu vou ter que vê-lo todo dia como um morto-bêbado-infeliz?”
“Paula, Paula... Quanta vulgaridade. Quanta maldade. Quanto desejo!”
“Quanta vulgaridade. Quanta safadeza. Quanta vagabundagem. Essa garota não vale nada, Beto!”
“Lá vem a velha história de que ela é uma safada, e não me merece... Isso eu já sei, agora retira essa raiz que me maltrata a cada momento, ao vê-la se esfregar com outro tal. Retira-me esse amor delinqüente do peito e ouvirei tudo quem tem a dizer!”
“Eu entendo que não ama por escolha, mas por que não torna esse amor uma virtude e um prazer?”
“E como?”
“Brinca!”
“Brincar! É simplesmente isso! Você me parece um idiota, Lucas”.
“Não venha descontar sua raiva em mim. Idiota é você, que não percebe a essência do amor e fica morrendo por essa mulher”.
“E qual é, então?”.
“Transforme essa dor que vem da Paula em algo bom. Aprenda com ela. Brinque com ela. Conheça sua dor e domine-a. Aprenda as regras, Beto!” – e saiu, triunfalmente.
O garoto ficou ali parado, fingindo que as palavras de Lucas não haviam surtido efeito algum. Não queria admitir que o amigo encarava a vida de uma forma muito mais fantástica que ele. Queria aprendê-la, mas ainda não tinha consciência disso.



Paula desfilava na sua frente, como a rainha da noite. Estava mais para rainha da poligamia. O olhar de Beto acompanhava cada singular movimento, sem nem se dar conta. Findo o desfile, a dama se apossara da pista de dança, hipnotizando ainda mais quem observava. Seu par já havia sido abandonado e vagava agora pela cozinha. Quanto desejo. Martelava Beto. Quanto desejo. Ela está sozinha. Ela precisa de mim. Eu sei disso. O que posso fazer? Brinca Beto, brinca.

No meio da roda entrara uma figura absolutamente bêbada e abatida, sem a mínima consciência do que fazia.
Brinca Beto, brinca. Conheça sua dor e domine-a.
As luzes piscavam e o garoto cambaleava cada vez mais, tentando coordenar alguma dança inidentificável.
Aprenda com ela.
Paula estava surpresa com o estado daquele fantasma. Era a primeira vez que o via tão estúpido.
Permita-me uma dança?
A garota sentiu-se constrangida. O que acontecera com o delicado Beto?
Paula, aprendi a dançar. Não era isso o que você queria?
Beto, você não está bem... É melhor sentar um pouco e beber uma água.
Nesse momento outra pessoa a abraçou pelas costas, desferindo um beijo que levou Beto aos seus extremos. Aos infinitos extremos.


O giro entorpecente e os fogos de artifício deslumbravam um plano de fundo ideal para aquela trágica magia.
As dores dos peitos dos homens e dos bichos, quando amam, são comparáveis àqueles saquinhos de doces vagabundos.
Só numa estrela cadente de perturbante cadência ele encontrava o olhar esquecido.
Era isso?
Estupidez.
Agora me diga
O que não é estupidez?
Fazemos parte da mesma hipocrisia.

5 comments:

Felipe Drummond said...

caro rubel, meus parabéns pelo texto MARAVILHOSO e pelo seu estilo único, memorável e tocante de escrever.

futuro garantido ao blog.

Luninha said...

"O garoto ficou ali parado, fingindo que as palavras de Lucas não haviam surtido efeito algum. Não queria admitir que o amigo encarava a vida de uma forma muito mais fantástica que ele."

você transformou em palavras o que exatamente acontece comigo. e eu gosto muito quando me identifico com os textos. alias, quem nao gosta né? acho que você fez um bom ponto ao transformar uma simples "festa de adolescente" em um estado de contemplaçao que eu NUNCA tinha visto sobre tal. está de parabens (:

Anonymous said...

porra rubel caralho tu nunca me fala desse blog bom pra caralho

JÚLIA ALMEIDA said...

Excelente! Muito bom mesmo.
Já li duas vezes.
Achei demais!
Boa sorte com o blog, você merece sucesso mesmo
Beijos!

Anonymous said...

Obrigado por Blog intiresny