Sunday, January 06, 2008

O ROMANCE - PARTE II

Frederico, conhecido por alguns como o velho, se prostrava bêbado na poltrona da sala. Clhicéricamente bêbado. Pernas lançadas ao alto, roupa amassada, e cabelo desajustado.
Havia Três coisas que o atormentavam impiedosamente todos os dias. Se muitas pessoas jogavam a vida fora por apenas um motivo, o simpático bêbado tendo três e perdendo apenas a sobriedade, saia no lucro.
O primeiro é um amontoado de fatores intimamente relacionados. Orgulho, incompetência, e o fato de ser sustentado pela mulher.
O segundo é por ter perdido a grande pessoa que realmente amara por toda a vida.
O terceiro e, surpreendentemente, o que mais o aflige é por trair sua atual mulher. O grande desespero se dá por ser feito com a própria filha da moça.




* * *


Não sei se é por instinto, ou por ser tão óbvio, mas já tinha certeza disso há muito tempo. Quando comprovei não foi surpresa alguma. Passei displicentemente o lenço nos olhos, e bastou.

Sua mãe sempre foi muito receptiva e sincera. Quando olhava pra mim e sorria, sabia que não era só riso de sogra. Até mesmo o velho sempre foi gentil.
O dia em que fui apresentado a eles me marcou demais. Talvez pela arrogância dos dois, ou pela estrutura familiar discrepante. Não estava acostumado com aquilo. O pior agora é que eu gosto dessa vida.
“Bom, minha mãe é viúva, e se casou de novo com um cara estranho. Não se espanta quando for conhecê-los.”
Estava ansioso, e quando o Fred abriu a porta me assustei. Puta merda. (risos). O velho era bonito mesmo.
“Fred, esse é o Chico. Espero que vocês se dêem bem.”
Desde o primeiro instante eu percebi como você amava aquele cara. Era completamente louca por ele. Subia pelas paredes, arrancava cabelos, molhava a calcinha. Eu sei, porra! Eu sempre soube, e fechei os olhos, Carla!
Tudo bem. Vamos lá. A culpa não é toda sua. Você tinha um caso com o filho da puta bem antes de casar comigo, e eu nunca quis enxergar isso. O problema é que os olhos sempre abrem. Uma hora ou outra.



Pausa. Silêncio. Ouve-se apenas o choro e o grito seco da mulher.


PÁRA CHICO!

Pára? Olha aqui, meu bem. Olha pra mim.


Ainda sentada no chão, a mulher ergueu levemente a cabeça.

O mínimo que você pode fazer é me ouvir. Certo?

Chega. Por favor.

Toma uma água.


O homem se levantou para encher o copo, e a mulher tentou abrir a porta apressadamente. Ele apenas ergueu o braço, fechando novamente a porta, e abraçou forçadamente a mulher que chorava sem senso.


Deita na cama e me ouve. O Fred sempre foi legal comigo. Na verdade era até demais. Devia ser para redimir a culpa.
Então. Naquele dia eu notei alguma coisa estranha, mas era só especulação. Acho que uns três meses depois eu cheguei do trabalho e ouvi você,
Agente já morava junto com sua mãe e o velho.
Eu cheguei do trabalho e ouvi. Porra. Não consigo falar isso.
Parecia você. Era você. Mas não quis ver nem pensar naquilo, e saí de casa. É impressionante como eu sou covarde. Deve ser por isso, né Carla? Eu sou extremamente covarde.
Na verdade isso se repetiu algumas vezes, e eu sempre fazia a mesma coisa. Dava a meia volta, fingindo não ter ouvido nada, e abria a porta como se tivesse que buscar alguma coisa fora da casa.

Por favor, Chico. Eu to dizendo, Por favor. Vamos acabar com essa história aqui. Eu faço o que você quiser.

Ignorado o comentário, o homem prosseguiu a história sem esboçar muitas emoções.

Eu não queria que tivesse chegado a esse ponto, Carla.

Sua voz se elevou e começou a perder o controle.

Eu fiz de TUDO pra essa merda dar certo. Eu passei por cima de traumas, de choros, de tudo que dava pra passar. Mas você passou dos limites e sabe disso.

Silêncio.

Chico grita.

Sabe ou não sabe?

Carla chora.

Sabe ou não sabe, sua vagabunda?




* * *


Frederico abre os olhos, ainda sem muita lucidez, e fica intrigado com o barulho vindo do andar de cima. Está muito cansado para se dar ao luxo de subir a escadaria e interferir na relação do casal.

Vai até a cozinha beber uma água para melhorar suas condições, e assusta-se ainda mais com os ruídos. Quase distingue algumas palavras no meio do turbilhão de Chico.

Vagabunda. Vagabunda. Parece ouvir. Sente uma pitada de raiva, mas finge acreditar que é efeito do porre.

Ele pode falar tudo, menos isso. Isso não aceito. Isso eu não aceito. Mas não posso ir até lá. Não posso dar brecha ao sujeito desconfiar.

Volta até a poltrona e finaliza a garrafa de whisky. Coloca uma música calma para controlar os nervos e é interrompido por um barulho seco e doloroso.

Tinha certeza que o tiro atingira Carla. Poderia quase ver sua linda face ensangüentada sendo destruída por Chico. Não permitiu que a lágrima escorresse e seguiu em direção à escada.

Do segundo andar saiu Chico, vermelho e sujo, escondendo a arma na parte de traz da calça. O ódio nos olhos era camuflado por um sarcasmo demoníaco.

Ora ora, meu velho. Mais uma vez bêbado e arrasado? O coração ainda bate forte como um touro? Acabei de encontrar uma grande amiga sua.

Frederico permaneceu firme enquanto Chico descia a escada em sua direção. Apenas ouvia o discurso atormentado do outro homem.

Sabe, Fred, que eu sempre gostei muito de você? Mesmo sabendo, desde o início, que você era O MAIOR FILHO DA PUTA DA MINHA VIDA, EU sempre. Gostei. De você. O grande problema é que

Interrompido por um tiro, Chico rolou os poucos degraus da escada que restavam e seu olhar estatelado fitou o velho, que guardou a arma e subiu até o quarto para dormir com sua verdadeira mulher. Mesmo morta ela lhe parecia linda.

1 comment:

Anonymous said...

Eu reli a parte I ontem [já tinha lido há um tempão] e entrei aqui agora só pra reclamar que você tava me fazendo esperar muito tempo.. surpresa boa, muito boa! =)
Beijos!