Monday, March 16, 2009

Por estarem distraídos

Euclides acordou empoeirado e tonto. Estava no meio de uma movimentada calçada, por onde seguiam apressados transeuntes, esbarrando de quando em quando em suas pernas, seus braços e seu corpo. O ar da cidade era muito mais denso e sujo que o da Vila.

Apesar de levemente desconfortável, encantou-se rapidamente com toda a imponência e grandiosidade do lugar. Tudo era maior que o usual. Desde as casas, às roupas; Desde o barulho, às pessoas. 

Quando percebeu alguns objetos, ainda desconhecidos, que avançavam furiosos pelas ruas, pensou que não iria mais querer sair de lá. Vermelhos, pretos, brancos, grandes, barulhentos. Rápidos. Mais rápido ainda eram seus hábeis olhos que perseguiam tudo ao redor, e a boca, que contraía incansavelmente, desenhando os mais sinceros sorrisos que os transeuntes poderiam encontrar.

Curioso lhe foi perceber que, ainda que estivesse sem rumo, os gigantes pareciam bem mais perdidos e desesperados. Não conseguia entender porque andavam – corriam – tão angustiados, vento batendo no rosto, pastas lançadas para traz, semblante austero.

O impulso inicial foi pará-los e alertar que havia vidas a serem vividas e se podia andar sem pressa. Ao perceber que não conseguia ser ouvido, ainda tentou pular, bater, gritar em vão. As contrações cessaram e a euforia quase cedeu à angústia, não fosse a pequena, mãos dadas com uma das gigantes, que ao passar em sua frente soltou o berro mais agudo e gratificante que já ouvira. “Mamãe, olha!”.Fora notado.

A mulher ignorou a descoberta da filha e seguiu com pressa. O almoço estava atrasado.  Euclides ainda tentou alcançá-las, mas embarreirado por corpos que se trançavam, perdeu-se na multidão.

Só restava esperar que alguém novamente o encontrasse. E ali permaneceu, dias e dias, até que algo finalmente o atingiu. A bala de três centímetros perfurou-lhe o peito e, caído no chão, passou os últimos minutos observando os gigantes que se aglutinavam ao seu redor. Cochichavam, gritavam e arregalavam os olhos. Naquele estado, todos o notavam. Contraiu a boca, mas, dessa vez, o sorriso, amarelo, foi levemente se avermelhando. Arrependera-se de um dia ter tirado os pés da Vila.    

2 comments:

Felipe Drummond said...

o texto está legal, mas a minha decepção foi imensa porque li esperando que fosse algo dialogando com o "por nao estarem distraidos", que é meu texto preferido da clarice lispector!
abraço

Anonymous said...

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