Monday, August 11, 2008

A VILA - PARTE II

Euclides tinha 18 quando resolvera abandonar o vilarejo. Nunca antes alguém o havia feito e a população temia que algo de ruim acontecesse.

Seus pais foram totalmente contrários à idéia, mas o jovem não desistiria tão facilmente de conhecer o mundo.

- Eu preciso sair, Pai. Eu tenho um objetivo na vida e preciso cumpri-lo.

- Seu objetivo é servir à Vila, casar-se com uma bela moça e dar continuidade a uma linda família.

- Quem dita meus objetivos sou eu, Pai. Não me diga o que não posso fazer.

E assim saiu, batendo forte a porta, para buscar o mundo que lhe era desconhecido.

* * *

5 anos depois, Maria brinca de boneca com duas amigas.

- Meu pai disse que uma vez fugiu.

- Eu sei. Todo mundo conhece essa história. Meus pais dizem que ele inventou um monte de coisa.

- Não inventou nada. Ele contou que o mundo lá é grande e bagunçado, assim que nem a nossa casa. Que existem bichos, máquinas, coisas que voam, até gigante.

- Mentira.

- Mentira nada! Ele falou que tinha um gigante de olho verde que queria conhecer a Vila.

- Mentira. Todo mundo diz que seu pai é maluco, mentiroso e nunca saiu daqui.


Maria se levanta chorando e corre até a sala, onde está Euclides sentado em sua cadeira de balanço lendo Harry Potter. A menina, receosa, começa a falar:

- Pai, disseram que você é mentiroso e nunca fugiu da Vila. É verdade?

- Mas é claro que eu fugi, minha querida! Você não acredita no seu pai? Olha aqui esse livro que eu trouxe do lado de lá. Você acha que fariam uma maravilha dessas aqui no povoado?

A menina admira o livro em suas mãos mas não se convence de que o pai fala a verdade.
- Prova pra elas, pai.

* * *

- Convoquei esta reunião para fazer um anúncio de extrema importância. Sei que estou sendo difamado por todo o povoado e que a grande maioria não acredita no que contei sobre minha fuga.
Venho anunciar, portanto, que fugirei novamente. Dessa vez sem a repressão de meus pais, que Deus os tenha. Vou sair e, quando retornar, trarei uma prova incontestável de que estive do outro lado.

A vizinhança guardou o riso para não ridicularizar Euclides em sua frente. Eram extremamente delicados.

* * *
Já havia se passado duas semanas desde a suposta partida. Grande parte do povoado acreditava que ele estava escondido em algum recanto na própria Vila. Talvez até mesmo dentro de casa.

A verdade é que Euclides se preparava para reaparecer.

Era uma tarde ensolarada e um grupo de crianças brincava na rua enquanto os pais conversavam sentados na calçada.

O assunto, sempre o mesmo. A aventura de Euclides, ainda que alvo de críticas e fofocas, fazia a alegria do povo.

Uma das crianças, ao ver Maria saindo de casa, logo desferiu sua tradicional piada:

- Olha quem apareceu! Maria! Onde está Papai? Fazendo contato com gente de fora? Conversando com gigantes?

As crianças gargalharam e os pais esboçaram um sorriso amarelo interrompido, às 4:13, pelo estrondo inédito que subia a rua.

O ronco do motor assustou o vilarejo.

Ainda sem muito controle do veículo, Euclides disparou ladeira acima fazendo o maior escândalo possível.

Assustados com a imensa máquina vermelha, crianças e adultos corriam e gritavam descontrolados. Aí se encontrava a ruína de Euclides.
Não dominava completamente o Monza 85 e, quando foi se aproximando das pessoinhas nervosas, não conseguiu reduzir a velocidade.

Em uma manobra brusca girou o carro tentando fazer a volta, mas chocou-se contra três crianças que voaram abismo abaixo. 4:14. Derrapou.

Girava e derrubava.

Foram sete no total.

A Vila nunca mais foi a mesma.

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