Saturday, November 29, 2008

O Tímido e o Mundo

Eu estava com medo de ser repreendido. Todos pareciam compartilhar os mesmos pensamentos, e sentiam-se muito orgulhosos disso. Agiam como se houvessem descoberto a verdade máxima, enquanto o resto do mundo permanecia na ignorância.

Era uma decisão importante, porque, uma vez expondo-me, deveria ir até o fim. Soltei as primeiras palavras, ainda inseguro, um pouco atropelado, torcendo para que não me ouvissem e eu pudesse desistir. Era a batalha de um contra doze, treze, e eu não era tão valente.

Atropelei as palavras, não saíram com nitidez, não saíram altas, não ouviram. Acovardei-me.

*                             *                             *

- Puta que pariu! Foi demais. Que reunião foda. O Rico sabe o que ta fazendo.

- É incrível. Estou muito ansiosa com isso tudo. Vai ser revolucionário.

- O que houve, Marquinhos? Está com medo? Você saiu tão quieto de lá.

Marquinhos sou eu.

- Não sei...

- Vai dar certo, cara. 

- Não sei...

- Eu achei o cara demais. Ele é agressivo e sabe persuadir. Acho que a agressividade é fundamental em qualquer coisa que se faça. Uma agressividade suave e precisa, como é a dele. “Se existir algum covarde aqui, deve sair imediatamente, porque o grupo precisa de pessoas de fibra, que estão determinadas e seguras quanto ao ideal e ao método de ação.”

Não, o cara não é demais. Ele é arrogante e tem uma agressividade burra. Achei tudo uma grande idiotice, mas não consegui me expor. Sou tímido. Fora a timidez, ainda existe alguma outra coisa que me leva a fingir que estou de acordo com a bosta toda. É engraçado. Quero estar com eles para ver até aonde vai.  

*                             *                             *

- Boa noite. A segunda reunião é ainda mais importante que a primeira. Agora que consolidamos as idéias e os princípios, é hora de planejar a AÇÃO. E vou repetir. Isso aqui não é UTOPIA. Não somos filósofos, não somos revolucionários. Quem se rotula se limita. Queremos, acima de tudo, AGIR. Queremos mudar na PRÁTICA.

Será que só eu acho esse cara engraçado?

- É bom ver que todos voltaram. Mas não achem que isso significa grande coisa. Não fizeram mais que a OBRIGAÇÃO. Obrigação não, desculpem o termo. Aqui ninguém é obrigado a NADA. Quem não for forte o suficiente pode sair agora por aquela porta. Vocês não fizeram mais do que o que era JUSTO.

Ele grita muito.

- Como combinado, todos deveriam trazer o material para começar o SERVIÇO. Está tudo certo?

Acenaram positivamente. Acenamos, na verdade.

*                             *                             *

É minha vez de falar. Tenho vontade de colocar um saco na cabeça. Duas pessoas já leram, com muito entusiasmo, o relatório sobre as tarefas que lhes foram encarregadas, o que animou bastante o resto do grupo. A cada ponto que eles parecem avançar, acreditam estar mais próximos ainda de realizar algo grandioso e revolucionário, apesar de o Rico não gostar do termo.

Na minha cabeça seria impossível algum ser humano se encantar com uma estupidez dessas, mas percebi que posso esperar qualquer coisa dessas pessoas. Apesar de tudo, permaneço calado, guardando-me para mim mesmo. Eu deveria ter ido embora depois da primeira reunião, mas agora já é tarde para desistir e as conseqüências poderiam ser piores. É minha vez.  

- Boa noite a todos. Vou ser breve. Observei a família durante cinco dias cheguei às seguintes conclusões: todos se levantam às seis horas e saem juntos, às sete e meia. Isso não tem muita relevância. Mas agora vem o que importa: de segunda a sexta o cara chega aproximadamente às oito e vinte da noite, seguido pela mulher e os filhos, que chegam às oito e quarenta. As crianças devem ficar em creches, porque passam o dia todo fora de casa. Acho que a mãe as apanha quando volta do trabalho. São lindas por sinal.  

A timidez fugiu. Acho que, como estou agindo como se fosse outra pessoa, não fico me repreendendo tanto. Se estivesse falando sobre alguma coisa em que eu acreditasse, engoliria as palavras, ficaria rubro, vermelho, verde e desistiria no meio.

- Os horários são precisos?

- Essas coisas são difíceis de precisar porque existem outros fatores envolvidos. Há uma margem de erro.

- É verdade.

- Mas acho que dispomos de dez minutos para realizar o que é PRECISO. Não mais que isso. Temos que agir com rapidez e EFICIÊNCIA. – gritei.  

Vou ser ator.

*                             *                             *

Somos quatorze pessoas em roda, ameaçando um homem bem vestido e amedrontado. O lugar parece algum galpão abandonado, acho que o Rico escolheu para dar um tom mais sombrio à operação. Acabamos de chegar e não trocamos nenhuma palavra. Infelizmente, tudo ocorreu como esperado.  Preferia que alguém tivesse cometido algum erro que comprometesse o trabalho, cheguei a pensar em sabotar, mas desisti da idéia. Rico começou a falar.

- Senhor. Senhor C. Um homem importante, um homem renomado. VOSSA EXCELÊNCIA, não é assim que eu deveria te chamar? Mas não vou chamá-lo assim não, porque não tenho RESPEITO algum com você. A ESCÓRIA da escória dessa corja. Você já teve medo, Senhor C.?

 Eu não estava com muita paciência naquele dia e o jeito do Rico me irritava.

- Você ama seus FILHOS não ama? Eles estão aqui conosco.

O Senhor gritava pelos olhos. Peguei a arma e apontei para o Rico. Todos me olhavam espantados, como se a arma estivesse, na verdade, apontada para cabeça de cada um deles.

O Rico Riu.

Os outros foram rindo juntos, em um coro de risadas que crescia cada vez mais alto e mais irritante. Atirei. Ele caiu ensangüentado e, para aproveitar, dei uns bons chutes na cara e na barriga do filho da puta.

- E agora? – Um deles perguntou.

Agora eles me olhavam como se eu fosse uma espécie de novo líder.

- Agora o quê?

- O que a gente faz agora?

- O que vocês fazem? Eu sei lá! Divirtam-se, aproveitem a vida de vocês e tentem não dar ouvido a qualquer imbecil. Não sejam egoístas nem malvados. Façam bastante sexo. Não seqüestrem mais políticos para ensinar lições e não tentem mudar o mundo pela força. Respeitem seus pais e sejam felizes.

Todos continuaram me olhando, como se eu tivesse falado rápido demais e precisasse dar as ordens mais claramente, uma de cada vez. Eles não entendem nada.   

6 comments:

Unknown said...

haha, muito bom! os tímidos parecem que guardam um rancor dentro de si e vão explodir a qualquer segundo, é engraçado pq ninguém sabe o que se passa na cabeça deles mas todo mundo imagina... é legal ser tímido

Rubel Brisolla said...
This comment has been removed by the author.
Rubel Brisolla said...

EXATO!
É esse o ponto!
Com exceção do rancorosos, acho que os tímidos não são rancoros... acho que são sarcásticos.

samanta fonseca said...

"Marquinhos sou eu."

achei brilhante.
:}

João Medeiros said...

façam bastante sexo, mesmo tímidos

Anonymous said...

o que eu estava procurando, obrigado