Tuesday, April 21, 2009

Sobre Irmãos de Vida e Um Pai de Sangue

O Pedro queria porque queria nos chamar de Homens Mais Raros. Bobagem. A denominação, além de imprecisa e tosca, era pretensiosa.

Éramos cinco. Cinco garotos pálidos – mesmo os dois negros – e tolamente esperançosos no que se podia retirar da vida. Àquela época, acreditávamos que o mundo ainda poderia ser um lugar bom de se viver, crença que foi violentamente extinta tempos depois, sem que eu estivesse preparado para tamanha decepção. É o que me traz à escrita. Este livro pertence aos homens mais raros. Talvez nenhum deles sequer esteja vivo. Ficarão aqui gravadas as tristes memórias de minha infância e uma homenagem a esses irmãos por escolha que foram, ao mesmo tempo, dádiva e carma.

Conhecemo-nos ainda crianças, em torno de seis ou sete anos. Morávamos perto, estudávamos juntos, vivíamos, de fato, unidos. Nossa afinidade pode ser vista como conveniente, afinal, nada mais natural que se aproximar de quem já está por perto. Mas eu não acredito – sim, sou supersticioso – que fosse simplesmente isso. Estávamos destinados a nos encontrar, onde quer que fosse.

Aos quinze anos criamos uma sociedade secreta destinada a salvar as pessoas que nos cercavam, por acreditar que estavam seriamente doentes. Todos compartilhavam da minha superstição e achavam que tínhamos vindo por um importante motivo. Uma espécie de dom nos fora concedido. Por isso o nome – Homens Mais Raros – que eu julgava inicialmente impreciso, tosco e pretensioso. Mas, de fato, eu também era pretensioso, ainda que não quisesse admitir.

Acabamos aceitando o nome que Pedro sugerira e só faltava decidir o que faríamos para curar o mundo. Quinze anos. Não sejam tão rígidos com os julgamentos. Quinze anos é uma fase complicada, porque junta uma boa parcela da inocência infantil com o início de uma análise mais profunda sobre o mundo que nos cerca. Então dá certo pane, os parafusos se fundem. É um desejo voraz de descobrir, embarreirado pela ingenuidade.

Ficou definido que, quando tivéssemos certeza de que alguma pessoa estava doente – e essa palavra para nós tinha uma conotação diferente da usual -, nos juntaríamos a ela em algum lugar reservado e a curaríamos. Essa foi a idéia inicial, que apresentava alguns problemas. 1) O que era exatamente a doença? 2)Como avaliar quem estava doente? 3) Como seria o processo de cura?

Após muita discussão, finalmente preenchemos as lacunas. Hoje parece claro que a nobre aventura não terminaria bem, mas, até então, era a idéia mais brilhante da vida de todos os cinco que ali se reuniam.

A primeira ação foi aos meus dezesseis anos e, comparada à última, se deu de forma bem sucedida. O vizinho do Romário era um homem de sessenta anos, corpulento e carrancudo. Tratava seu filho com rispidez e uma seriedade excessiva. Era quase indiferente ao garoto. Mas em relação à esposa, não. Preocupava-se muito com ela. Preocupava-se tanto que encontrava na agressividade uma solução para seus ciúmes e julgamentos doentios.

Encapuzados, invadimos a casa. Aparentávamos, quem sabe, vinte anos. Romário sugeriu a ação depois de observar através da janela uma cena de brutalidade sofrida pela mulher. Pegamos o velho despreparado, vendamos seus olhos e iniciamos a primeira sessão. Na teoria, não usaríamos de violência, mas, conforme foram se desenrolando os acontecimentos, tornou-se inevitável.

O Tratamento foi tão severo que o velho ficou apático por alguns meses, traumatizado. Romário disse que quase não fazia diferença e era melhor daquela forma.

Inicialmente ficamos abalados, mas, após o estímulo dos mais sádicos do grupo, estávamos satisfeitos. E resolvemos prosseguir. Foram homens, mulheres, crianças. Padeiros, banqueiros, donas de casa, não havia restrição. Qualquer um cuja conduta nos parecia prejudicial à evolução da sociedade recebia a lição. E, curiosamente, não nos denunciavam. Por mais de um ano continuamos a atuar anonimamente e estávamos cada vez mais confiantes na grandeza de nossas atitudes.

Até que um dia mexemos com alguém que não deveríamos ter mexido. O homem sabia o que estávamos fazendo. E sabia que éramos nós. Ele me conhecia com a palma da sua áspera mão.

Os motivos que me levaram a sugerir seu nome, não tenho coragem de escrever. É a única revelação que passará em branco, e, provavelmente, a que ainda mais me atormenta.

Ele sabia que iríamos até ele. Não sei como, mas sabia o dia, a hora e o modo. Esperou-nos sentado friamente, em frente à entrada dos fundos. Nós arrombamos a porta e ele disparou quatro precisos tiros, arrombando o peito de meus quatro companheiros.

Eu tive medo. Mais medo do que eu jamais tivera em toda minha vida. Não consegui reagir. Simplesmente caí no chão e me debrucei sobre os corpos vermelhos. Ele se levantou, caminhou em minha direção, fazendo minhas pernas tremerem como se eu estivesse a dez mil pés de altura. O que mais me assombra foi que, quando ele estava próximo, disse em tom irônico: Filho querido, por que tens tanto medo de mim?

Homens Mais Raros, este livro pertence a vocês. Assim que terminá-lo estarei por perto novamente. Até breve.

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